quarta-feira, 7 de setembro de 2016

O cume

Queria estar em um lugar alto. No topo duma colina, numa montanha de pedra ou concreto no fim da tarde. Só quando eu sentir os pés doloridos da subida esmagando vitoriosos algumas gramas teimosas num solo duro. Só então vitorioso será meu respirar profundo.

Quero sentir meu peito cheio de todo aquele ar alto, de toda aquela vista e de toda aquela luz anunciando que a lua está perto de aparecer Quero ver os vales majestosos e os esguios prédios na linha do horizonte a me cumprimentar. Alguns como os apressados de olhar ansioso e meio sorriso nervoso, ou com acenos lentos e de um desinteresse altivo. 

E no alto, quero encontrar o vento como um velho amigo que anda ao meu redor, abraça e bagunça meu cabelo. Só assim eu poderei sorrir profundamente de olhos fechados e mesmo assim sentir tudo isso a minha volta. Só assim saberei que sou infinito no momento.

terça-feira, 22 de março de 2016

Poesia em suspensão



Pousei o café e observei o vapor subindo desforme
E decidi, então, que essas palavras não mereciam rima
Não que me faltasse o tempo (e a aspirina)
Já que a tarde clara, brilhante,
Lembrava-me com convites a todo instante
Como poderia ser
Mas ao ver o sol batendo no cimento
Cozinhando lentamente o dia inteiro
Negava educadamente me mexer

(Suspiro)

Num misto perfeito de tédio e esperança
No peito um vazio sem confiança
Nas pernas um formigamento
E nos olhos um peso sonolento

Fiquei assim me vendo
Como um grão à mercê do vento
De mil oportunidades ignoradas
Rendido a inércia do não querer

E ali fiquei com caneca em mãos, esperando
(O que ? O que ? Não sei. Nem sei também)
Vendo o povo passar num vai e volta sem sentido
Pessoas passando
Ideias passando
Carros passando
Pássaros passando
As horas passando
E eu ali
E eu ficando
E eu alheio
E eu..

quarta-feira, 9 de março de 2016

Um melhor dia das mulheres



já passou o dia, mas ainda em tempo

Após ver tantos textos sobre o dia das mulheres, campanhas boas, falas fracas e etc, senti a necessidade de me expressar sobre o dia. 

Não por mal eu não fiz o que costumava fazer de procurar varias mulheres na minha rede social para desejar-lhes feliz dia das mulheres, tampouco  sai distribuindo sorrisos e chocolates e rosas e "bom dia, feliz dia das mulheres" na rua (quem ve até pensa q eu sou tao sociavel assim). Mas resolvi passar o dia, e mais especialmente a noite, observando. Na verdade esse é um exercício que tenho feito a algum tempo e alguns momentos me chamaram muito a atenção. Momentos que ocorreram com amigas, momentos que ocorreram com desconhecidas e mesmo que eu tenha imaginado, mesmo que eu tenha exagerado convido todo mundo que ler esse texto a fazer um exercicio de abstração. Imaginem isso por um minuto da forma que eu falar aqui e quem sabe isso ajude-nos a entender um pouco mais esse dia (ontem).

Se posso resumir rapidamente o sentimento que eu vi, mesmo que por um relance nesses casos era o medo, como o medo brilhando nos olhos de uma moça de um bairro de São Paulo para qual fui pedir informação. Não percebi que já entardecia, não percebi que a rua estava deserta alem de nós, mas percebi momentaneamente o pânico nos olhos da mulher.. o pânico de estar sozinha numa rua com um desconhecido.. e nunca isso passaria na minha mente de ser uma "ameaça" a alguem, não fosse esse caso. Em um momento ela se encolheu, olhou de maneira rapida e desesperada para o chão como quem se prepara para levar uma pancada e tentou desviar de mim como quem entra de ombro numa tempestade. Tudo que eu queria era saber a posição da padaria mais proxima. (Aos curiosos, eu ascenei e a uma distancia de pouco mais de 5 metros pedi licença e perguntei o que queria da forma mais doce que pude)

Esse medo é sintomático, os mais conservadores me diriam que é um caso isolado e a segurança é uma preocupação de homens e mulheres mas após observar assim por diversos dias, posso assegurar que esse medo quase que exclusivamente vi em mulheres.. quase uma paranóia coletiva (apesar de não gostar do termo aqui).. e é inegavel que isso também é sintomático. Um sintoma da sociedade inteira, a cultura de terror (do estupro, da objetificação, o machismo num geral).
Passo então para um outro caso, de ontem mesmo, ao ver uma familia conversando num restaurante. Pai e filho estavam em uma posição muito semelhante, arcados pra frente assistindo a uma TV no local, cabeça apoiada nas mãos, quase a postos, tensos, rostos vermelhos e dentes cerrados. A filha abraçava-se a mãe, corpo encolhido e ombros pra frente, rosto meio escondido, parecia procurar proteção. Proteção do que? Apostaria minhas fichas que parte era tédio, mas duvido que o filho se portaria da mesma no tédio. A outra parte porem, como eu disse acima, se assemelha ao sentimento de impotência, de medo. Mas não faz sentido nessa situação, não é? Por que ter medo se não está acontecendo nada?

Percebamos que ao filho é ensinado (via exemplo) a ser agressivo, pronto sempre pra levantar-se e gritar gol ou gritar com alguem para defender sua vontade. A filha é ensinado a posição passiva e cheia de vergonha, ombros pra dentro, olhos no chão. A agressividade alheia, mesmo que não usada para agredir ainda sim deixa muitas marcas na formação pessoal. Expandindo essa situação pode-se dizer de um medo constante da agressividade social, permeando as mulheres a todo momento.
E para pontuar isso, gostaria de lembrar de alguns detalhes de um evento que compareci ontem mesmo no Mineirão, intitulado "De Frente Pro Lance: Mulheres no Futebol" , onde 5 Mulheres bem sucedidas numa área tão machista, mediadas por uma sexta mulher igualmente incrível, debateram sobre o assunto. E uma coisa que marcou muito a conversa delas é que todas negaram (ou pareceram negar) sofrer com preconceitos no mundo profissional. Mais tarde com uma frase longa e emocionada uma mulher, membro da plateia, disse sentir-se decepcionada por sentir na pele esse medo e não ver isso nelas. Numa mudança de postura todas se retrataram dizendo algo semelhante a "existe sim o preconceito, mas nós não demos atenção".

Muito embora isso me lembre em bom tamanho o Recalque da psicanálise visto em alguns outros casos de famosos que transcenderam seu status social original, o principal ponto que quero chamar a atenção do que isso em termos práticos significa. Para ter o espaço nessa area profissional (e posso assegurar facilmente que em diversas outras) a mulher tem que estar disposta a passar por cima de perguntas de validação (você é a secretaria dele? Cadê ele?) e outros pequenos fatos degradantes e desgastantes e humilhantes (conseguiu aumento pq deu mole pro chefe; Teste do sofá; Você com uma roupa assim não consigo trabalhar) alem de ter conhecimentos postos a prova tanto quanto ou até mais que seus concorrentes do sexo masculino. Ai está uma desigualdade clara, essas mulheres bem sucedidas tiveram que ter uma força e estabilidade emocionais muito alem do esperado para homens para poder estar NO MESMO LUGAR. Por isso elas foram exceções nas quais os planetas se alinharam de forma ideal para que elas tivessem uma chance de trabalhar muito, ralar muito como elas mesmo disseram. (espero sinceramente que elas leiam isso)

Isso foi o fruto da minha reflexão nos últimos dias, e após tudo isso eu não vou apenas desejar um feliz dia das mulheres (atrasado)  mas desejar um dia das mulheres melhor. Melhor que ontem, melhor que  o do ano passado, melhor ainda no ano que vem. Com menos motivos para ter medo, com mais "exceções" de sucesso. E que todos os corajosos que chegaram até aqui nessa reflexão se juntem a mim para refletir da mesma forma no ano que vem e descobrir se tivemos (a sociedade como um todo) um melhor dia das mulheres.

sábado, 13 de fevereiro de 2016

sussurro no ouvido



Deixe-me ser uma gota da sua liberdade
 uma ferramenta de seu suspiro
 inquirir-te se a tomo ou se piro
 num ritmo saturado de maldade

 deixe-me ter teu corpo em minhas mãos até bem tarde
e libertar tua'lma nua em pelo
 então a pele pela pelo apelo
do toque, do cheiro que o sangue arde

Deixe-me pouco a pouco matar teu ego
 mergulhar-te na paixão que (docemente) carrego
 até que não mais lembre quem tu é
 presa num carinho, um cafuné

 mas me lembre como um devaneio de Morpheus
 sem saber direito o que aconteceu
 deixo um amor que não amadureceu
 e o sabor efêmero de um adeus

Poema do coreto



 numa praça qualquer, onde nenhuma banda toca mais
 senhores calmos conversam em silenciosas guerras de damas
 um casal, apaixonado, se abraça sentados na grama
e uma rodinha de jovens discute (apaixonadamente) seus ideais

 e o coreto, embora pareça abandonado, entregue às ervas daninhas
tenha sido cenário de diversos amores de chuva e brigas pacificas
 permanece como um eterno monumento as amizades velhas e a musicas
e a aquela preguiça gostosa que toma todos que entram na pracinha

eis então que surge um violão que começa a tocar cazuza
 e tantos começam a cantar (alguns, mentalmente) com vozes confusas
jovens, velhos, apaixonados, como se cantassem um hino conhecido
um hino dizendo que o coreto pode estar vazio, mas não esquecido

do desespero (alheio)



Criança minha! Que som triste
os ecos do teu coração
Quanta magoa pulsante
daquela tristeza pura
e de olhar distante
mirando algo invisível
para mim,
 para todos
incapazes de imaginar
tua sombria emoção

queria eu
abraçar-te por inteiro
e espremer cada lagrima
amarga
cheia de ternura e desespero

busco em minha mente
qualquer coisa
que me sirva tão somente
para espantar essa dor
que te assola
Mas minhas palavras - antes espada e escudo de aço -
agora
me falham feito bexigas de palhaço
em uma festa infantil e sem graça.

Queria eu
jogar-te no chuveiro
esfregar de tua alma
toda a lama
e então
secar-te com todo zelo.

Enfim calo
pouco a pouco
morro e mato
resignado a sentir
minha impotente frustração
Paro
e observo
enquanto aflora e vaza tua dor
ofereço
 meu silencio,
meu respeito
e meu amor
ou uma canção de ninar desafinada
na esperança tola
que tu possas finalmente dormir aliviada,
e acordar num mundo melhor